sábado, 9 de fevereiro de 2008

A doença dos serviços de saúde na nação da purpurina


Basta uma hora em frente ao Hospital das Clínicas para entrar numa depressão. Exagero? Não, não é exagero. Já pararam para perceber, sentir a paisagem com que se deparam cidadãs e cidadãos de todo o Estado ao chegar ao Hospital em que muitos/as de nossos/as médicos/as são formados/as? Sacos de lixo amontoados confundidos com a grama dispersa que cresce ao seu bel prazer, móveis velhos, desgastados, e, pasmem, muitas vezes sujos. O chão de cimento desgastado, esburacado. Paradoxalmente se tornam também paisagem: senhoras, senhores e jovens, homens e mulheres, sentadas/os pelo chão e nas calçadas, com expressão desolada, muitas vezes famintos/as, sem saber em que momento serão atendidos/as (se serão atendidos/as), ou aguardando transporte para voltar para suas cidades, humilhados/as, sozinhos/as, inseguros/as. Que nação é essa, que se orgulha de seu futebol, de seu carnaval, mas se resigna diante da situação precária com que seus cidadãos e cidadãs são tratados/as? Para a resposta, tenho meu palpite. Essa é uma nação que tira a dignidade, e com ela a fala, a voz, a esperança de mulheres e homens pobres e negros/as de se sentirem gente. Uma nação que forma estudantes em medicina na arte de não olhar para seus pacientes, de não enxergá-los, não respeitá-los (salvo as exceções que sempre existem). Uma nação que legitima a cultura dos planos de saúde, que fazem a festa da exploração do bolso na classe média e que nem sempre oferecem qualidade. Uma nação que esconde a boca sem dentes, com as mãos, para pedir informação. Uma nação em que a regra é chegar de madrugada nos hospitais, ficar na fila para ter atendimento e não ter sequer o que comer. Uma nação, cuja exceção é ter saúde. Uma nação doente. Uma nação doente que requer cuidados, tratamento, respeito, sessões de quimioterapia intensivas, macas limpas e bom atendimento desde a recepção até consultórios. Uma nação doente, por favor, não deixem ficar, nem mesmo no período de uma hora em frente aos nossos hospitais públicos, pois podem fazê-la engolir qualquer remédio paliativo e mandá-la de volta ao lugar de onde veio. Podem até curar os sintomas da doença, mas não a doença - descaso político com saúde pública e os milhões investidos em purpurina - e, ainda por cima, a “pátria minha tão pobrinha” pode entrar numa depressão tão profunda, que nem mesmo a euforia do futebol ou a alienação “bundística” do carnaval vão conseguir dar jeito.

3 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Unknown disse...

Passei pela triste experiência de ficar três dias internado em um dos corredores do Getúlio Vargas. Uma verdadeira catarse. Se a vulnerabilidade das pessoas ali era imensurável também era a solidariedade. O que mais me inquietava era como alguns funcionários (as), sobretudo os (as) auxiliares de enfermagem, em quase sua maioria, tratavam os pacientes. De forma desumana. Eu mesmo saí de lá fugido porque não aguentava mais e por isso quase matei minha mãe de susto, rsrsrs... Àquela experiência me fez refletir sobre quem são nossos (as) profissionais de saúde. Pessoas que ganham pouco, não tem material de trabalho, que tem que se desdobrar em mil por causa da superlotação etc. Mas os (as) pacientes tambem não tem culpa. Então Sheila, para concluir, diante de uma situação como a da nossa saúde pública nos sentimos impotentes e somos tentados a achar que não tem mais jeito. Somente uma Revolução para alterar a situação degradante da sociedade em todos os seus aspectos. Não sei se deva ser armada ou pácifica, o que sei é que não adianta ficar com "a boca escanacarada esperando a morte chegar". Por isso, sonho com uma bioética dura, intervencionista, militante que se configure mais com um movimento social do que uma disciplina acadêmica. Mas também me sinto impotente porque por enquanto apenas sonho e medito e espero a morte chegar, mesmo que de boca fechada.

Sheila Bezerra disse...

Tenho certeza que não Fernando...definitivamente você pode até se sentir impotente, como também me sinto muitas vezes, mas não o vejo esperando a morte chegar. Mudamos o mundo com grandes ações, mas também com as pequenas, as cotidianas, do dia-a-dia, afinal, pudemos constatar em nossas aulas bioéticas o quanto nossa vida cotidiana tem ficado sob o controle científico e isso não é à toa...biopoder né meu véi... Abraço grande e obrigada por seu comentário tão cheio de indignação!