quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O Fenômeno Secretária


Coloco no feminino porque é com elas que tenho esbarrado. Desculpem-me as secretárias maravilhosas com quem tive o prazer de esbarrar, mas não será delas que falarei. Eu vou falar daquelas que nem olham no seu olho quando falam contigo, aquelas que agem como se estivessem fazendo um favor quando estão, nada mais, nada menos, fazendo o que têm obrigação de fazer, aquelas que não sabem ler um e-mail e te olham, com aquele ar de superioridade, para você também olhar na cara dela, ter vontade de mandá-la se lascar, mas só diz “você não leu direito”. Aquela que sorri para você, até te dá um tapinha nas costas, mas faz tua caveira quando você não está por perto...são delas que falarei.
Tenho uma tendência a pensar nos outros lados das moedas, afinal, também tenho meus dias de cão. Há quem diga que seja uma tendência masoquista. Bem, pode até ser, mas, às vezes, entendo mesmo um cobrador apático, um motorista que não responde meu “bom dia”, ou a cara de c. u. da caixa do supermercado. Penso que podem ter tido um dia ruim, que o motor do ônibus está estourando seus ouvidos, que recebem salário de miséria e são super-explorados. Não conto a quantidade de vezes que já fiquei indignada vendo apresentadoras/es de televisão e outras celebridades falando coisas do tipo (vou estereotipar tá!...): “fulana está grávida, carrega 40 kg de qualquer coisa na cabeça, está entre o couro e o osso, não tem nada para comer e está feliz. Ela é que sabe viver...” Fico puta com isso! (Com todo o respeito às integrantes da APPS).
Odeio essa obrigatoriedade de parecer feliz, de parecer bem e corada (com ruge e batom), quando se está com os dedos e os lábios roxos de tanto frio por não poder usar o casaco que, supostamente, esconderia a farda da empresa - como pude ouvir de uma colega ainda no dia de ontem. Agora, claro, como cidadã e como profissional, quero mais é ser atendida com respeito e bem por outras/os cidadãs/aos e profissionais. Por isso esse post. Não engulo gente estúpida que carrega pessoas humanas em transporte público como se fossem bois e vacas (eles também deveriam ser bem carregados), nem agüento mais secretária que te diz ou faz um movimento corporal (ou de olhar) do tipo: “vou te fazer esse favorzinho” quando você sabe que ela está fazendo o que é de sua obrigação e pela qual foi contratada e é paga.
É de causar indignação saber que muitas dessas até recebem muito bem, muito bem mesmo, por atenderem bem quem acham que devem atender bem (e acho que elas acertam...), recebem bons salários e têm até seus estudos financiados pelas empresas e, mesmo assim, executam de forma a desejar o que deveriam, tomando o lugar de pessoas não estúpidas, às vezes nem tão competentes, mas esforçadas, algumas vezes até simpáticas e o mais importante: de pessoas competentes e sangue bom, que estão por aí batalhando um emprego legal.
É ótimo perceber que alguém quer te ajudar a resolver teu problema e não mede esforços, alguém que te devolve um bom dia, alguém que tenta até ser simpática/o apesar das agruras – essas pessoas são inesquecíveis. Claudinete da secretaria de ciências sociais é uma, Ju da Filosofia é outra. Elas existem!!! E elas também são competentes! Agora, elas são ou, pelo menos, parecem raras! O fenômeno secretária ruim, incompetente, antipática e empoderada demais (para não dizer outra coisa) é que é uma praga!!!
Meu post é meu manifesto e minha reivindicação: O mundo precisa de secretárias competentes ou, pelo menos, comprometidas com a prestação do serviço para o qual são pagas e, se possível, de bem com a vida. Claro, ressaltando que elas precisam ser remuneradas justamente e respeitadas, como devem ser respeitadas todas/os profissionais desse mundo.
Ah sim, já ia esquecendo...na imagem acima faltou mais uma mão com os cigarros, claro!

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Saudades...


Alguns dias já se foram desde minha última postagem...estou com uma saudade do meu blog!!!! hehheeh. A roda viva está muito, muito, muito viva! (grande Chico) E eu tô na roda. Tenho tanta coisa que escrever, tantos pequenos-grandes momentos por compartilhar, mas preciso de tempo e "hoje não dá...vou consertar a minha asa quebrada e descansar!" (grande Renato).
Acho que uma "UMA PERGUNTA" de Clarice é bem interessante nesse momento, então vou colocá-la na enquete só para não perder o costume. Votem tá!

Abraço grande, um ótimo domingo e uma ótima semana,

Sheila.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Gotinha


Deixo para vocês este belo texto de Jefferson Tadeu (roubei do blog dele). Abraço, Sheila.
Gotinha
Quando eu olhava para uma pessoa idosa, com os seus cabelos já brancos, nunca imaginava que houvesse muitos conflitos perpassando a sua alma. Talvez porque a cor de neve da sua cabeça me fizesse, inconscientemente, relacioná-la à serenidade, à paz de espírito. Quanta ingenuidade!Há alguns meses estive em João Pessoa (a cidade onde desejo morar) por ocasião de um congresso de filosofia. Durante dois dias, hospedei-me na casa da madrinha de um grande amigo. Na manhã em que deveria ir embora, após o café, levantei-me da mesa e fui à cozinha, lavar, como de costume, os pratos e talheres de que me utilizei enquanto comia. Naquela instante, apresentou-se na cozinha, para entabular conversa comigo, a senhora, tia da madrinha do meu amigo. Ela tinha mais de 90 anos de idade.A primeira coisa que a senhora me disse foi: “Onde tem mulher, homem não trabalha na cozinha. Deixe esses pratos, meu filho”. Ao que, sorrindo, respondi-lhe: “Não se preocupe. É rapidinho e não me custa nada!”. Ela me retribuiu o sorriso e me ofertou também um segredo, ou melhor, uma queixa que, certamente, havia muito estava latente: “O filho da minha sobrinha nunca tira um prato da mesa”.O que mais me impressionou na fala da senhora foi a sua expressão facial. Seu olhar inicial, ao se aproximar de mim, era de pura gentileza e cortesia, embora também fosse de resignação. Após o nosso breve diálogo, no entanto, modificara-se: eu me entristeci ao perceber dois olhos ainda mais resignados com a ordem do mundo, a despeito, é verdade, de haver uma gota de indignação no seu olhar, mas uma indignação que parecia se envergonhar por existir. Uma gota de indignação, todavia, foi suficiente para que eu percebesse que a cabecinha branca daquela senhora era um verdadeiro campo de batalha. Afinal, não pode haver paz para as(os) vencidas(os).Ao refletir sobre a cena, veio-me ao meu espírito uma gota de esperança, pois para que uma tempestade aconteça sempre há de cair uma primeira gota. E, para quem quer agir, não importa o tempo já percorrido ou que ainda terá de trilhar, porque o que está à mão é sempre o presente, que nada é senão uma gotinha.

Joana Maranhão e o silêncio dos/as adultos/as


O título do post bem que poderia ser apenas o Silêncio das Crianças, mas para mostrar bem o quanto a nossa sociedade é hipócrita, enfatizei o silêncio das crianças que cresceram e que se sentiram confortáveis nessa lógica adultocêntrica, passiva (não pacífica) e silenciosa em que vivemos. Joana é uma jovem nadadora de 20 anos que, numa atitude de muita coragem, expôs seus traumas mais profundos para uma sociedade muito, mas muito POUCO preparada, para encarar suas mazelas de frente. Frases terríveis podiam (ainda podem) ser vistas desde a semana passada nos comentários das matérias do JC (jornal que li) sobre o assunto. Homens, provavelmente também abusadores, dizendo que a moça só estava querendo se promover, que tinha intenções de prejudicar o náutico (clube em que aconteciam os abusos), que estava inventando o fato, dado que já se passaram alguns anos e por aí vai...sempre assim...

Joana se tratou, teve apoio, acompanhamento, pôde conversar com pessoas de confiança, se tornou uma grande nadadora e isso lhe conferiu uma auta-estima e segurança que lhe permitiu falar, denunciar, avisar: "cuidem de suas crianças!"Ela tentou falar para a mãe na época, mas a mãe não achou que fosse possível, confiava no então treinador, tentou "tapar o sol com a peneira", achou que era muito criança (9 anos) e talvez estivesse confusa. O tempo passou...e ele sempre passa! Se passa bem? Só quem viveu na pele é quem sabe. Joana teve problemas para exercitar sua paixão - a natação, teve problemas de relacionamentos, chorava com certa frequência, teve dificuldades nos relacionamentos afetivos-sexuais, mas não preciso mais ficar falando em Joana. Ela já fez muito!
"Estatísticas afirmam que, nos últimos anos, o número de crianças e adolescentes que sofrem ou sofreram abuso sexual é cada vez maior, no Brasil. Porém, apenas uma minoria denuncia o fato e, um dos motivos disso, é o trauma psicológico acarretado, porque na maioria das vezes a criança é vítima de incesto; ou seja, mantém algum grau de parentesco com o agressor, quando ele não é o próprio pai ou padrasto. Nesses casos, existe ainda o medo de que a denúncia resulte em de retaliações.
A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que apenas 2% dos casos de abuso sexual contra crianças, nos casos em que o agressor é parente próximo, chegam a ser denunciados à polícia. Estudo do Unicef revela que, de 2000 até 2005, foram contabilizados 437 casos fatais de violência no lar, causado por agressões físicas. A pesquisa da Abrapia, também analisada no estudo do Unicef, aponta que parentes são responsáveis, em média, por 34,4% dos casos. Quando se trata de abuso sexual, os dados impressionam pela tenra idade das vítimas: 49% das crianças que sofrem esse tipo de violência dentro de suas casas têm entre dois e cinco anos."
Dados obtidos a partir do boletim CRESS SP.

Tão importante quando denunciar o abuso é denunciar quem abusa.
Se desejarem mais informações a respeito, eis alguns sites interessantes:



segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Você tem fome de quê?


Estava eu, em pleno sábado, pensando em fazer algo diferente. Os planos haviam sido mudados, iríamos almoçar em casa...que fazer? Bem, lembrei-me das berinjelas que compramos pensando em fazê-las à parmegiana. Minha mãe disse que eu já havia feito algum dia, mas eu não lembrei e ainda não lembro quando. Bem, estava decidida a fazê-la. Entrei no Google, peguei a receita: mãos à obra. Cozinhar não é meu forte, então, claro, demorou...demorou...mas, valeu a pena. Calma, não, não...definitivamente não estou “puxando a sardinha” para meu lado, hehehe! É que é um prazer enorme saborear um alimento saudável, e proveniente de uma proposta social tão saudável quanto. As berinjelas, assim como as acerolas com as quais fizemos suco, a alface e o tomate-cereja da salada, o coentro e o manjericão do tempero, tudo orgânico! Para sobremesa: mamão, banana ou manga, tudo orgânico! Os ovos utilizados na receita: de galinha de capoeira (ou seja, não confinada, sem intervenção de hormônios). Parece coisa de outro mundo o que estou falando? O problema é que não é. Faz pouco tempo, tomei conhecimento de uma iniciativa de produção de alimentos orgânicos e de base agroecológica/agroflorestal próxima à minha casa, ou seja, agricultura urbana. Desde então venho tentando consumir os produtos de lá, tiram tudo na hora... mas, sem essa alternativa, o que me restava? Restava-me o supermercado e a feirinha da V. que, embora seja bem bonitinha e cheia de frutas e verduras aparentemente interessantes, muito, mas muito provavelmente mesmo, são provenientes de uma produção convencional (made in CEASA), baseada na utilização de agrotóxicos e outros insumos químicos dos quais não tenho a menor idéia. Bem, nesse exato momento me ocorreu um outro problema: as sementes - sobre estas sim, parecemos não ter controle algum. Bem, voltando à experiência da agricultura urbana que está localizada próxima à praça da V., atualmente é gerida por mulheres da própria comunidade, mães de crianças atendidas pelo Lar Fabiano de Cristo ou não, que estão aprendendo diariamente novas técnicas de cultivo, estão aprendendo a lidar com as pessoas, estão elevando sua auto-estima, estão aprendendo a lidar com dinheiro, estão trabalhando o senso de organização coletiva, enfim...estão se sentindo pessoas com dignidade, que produzem e se alimentam (bem) e alimentam suas/seus filhas/os com aquilo que produzem com suas próprias mãos. Cada vez mais estamos distantes dessa realidade tão simples. As crianças, a não ser através de seus livros escolares, quase não podem supor de onde vêm as frutas tão gostosinhas (mas muito pouco em relação às orgânicas) com nomes e cores tão diferentes, artisticamente empacotadas (com plástico-filme) pelos grandes Super- mercados, bem como de onde vem o milho que é a base para seus cornflakes e das suas deliciosas pipocas de microondas e por aí vai. Tenho recebido e-mails a respeito. Daqueles e-mails que fazem muito alarde da história (e têm que fazer mesmo), mas a questão que me ocorre é: não basta as pessoas se sensibilizarem, é necessário que as pessoas tenham opções, conheçam, enfim, são necessárias mais iniciativas, são necessárias políticas públicas voltadas para estímulo à produção agroecológica, às feiras, à divulgação, enfim... e, só tenho percebido qualquer movimentação nesse sentido, quando agricultoras e agricultores se organizam politicamente em torno da reivindicação por tais políticas públicas, só que, ao que me parece, o interesse é tão nosso quanto delas e deles e, no entanto, parece que vamos seguindo a vida ao som de Zeca Pagodinho: “...deixa a vida me levar, vida leva eu...”... leva eu para os transgênicos, leva eu para os agrotóxicos, leva eu para as vacas loucas, leva eu para a minha alienação total, para a doença, para a cura através dos remédios dos grandes laboratórios que, por sinal, produzem os transgênicos, os agrotóxicos...deixa a vida me levar, vida leva eu....
Votem na enquete tá! Besos!

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Nova enquete - Você sabe a procedência de sua alimentação?

Brevemente estarei falando sobre alimentação, agricultura urbana, agroecologia e por aí vai...agora vou para praia porque, afinal, "é água no mar, é maré cheia...".
Bom domingo amigas/os!!!

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Ontologia Robótica


A meta-física do projeto
é a metafísica (à beira da morte) do mundo
prestação de serviço ontológico à humanidade
notas fiscais e impostos
calculados sob pena de pena (de quem sofre os descontos)
O projeto deve sair do papel
Por isso há formação de como tornar-se humano
Mas no limite de nossas (des) humanidades
Robôs tornam-se humanos
E humanos vêm tornando-se robôs
Conhecer e viver bem
Essa deveria ser a meta mais que física do projeto
Acima de tudo, nosso projeto de vida


04/05/2007

A doença dos serviços de saúde na nação da purpurina


Basta uma hora em frente ao Hospital das Clínicas para entrar numa depressão. Exagero? Não, não é exagero. Já pararam para perceber, sentir a paisagem com que se deparam cidadãs e cidadãos de todo o Estado ao chegar ao Hospital em que muitos/as de nossos/as médicos/as são formados/as? Sacos de lixo amontoados confundidos com a grama dispersa que cresce ao seu bel prazer, móveis velhos, desgastados, e, pasmem, muitas vezes sujos. O chão de cimento desgastado, esburacado. Paradoxalmente se tornam também paisagem: senhoras, senhores e jovens, homens e mulheres, sentadas/os pelo chão e nas calçadas, com expressão desolada, muitas vezes famintos/as, sem saber em que momento serão atendidos/as (se serão atendidos/as), ou aguardando transporte para voltar para suas cidades, humilhados/as, sozinhos/as, inseguros/as. Que nação é essa, que se orgulha de seu futebol, de seu carnaval, mas se resigna diante da situação precária com que seus cidadãos e cidadãs são tratados/as? Para a resposta, tenho meu palpite. Essa é uma nação que tira a dignidade, e com ela a fala, a voz, a esperança de mulheres e homens pobres e negros/as de se sentirem gente. Uma nação que forma estudantes em medicina na arte de não olhar para seus pacientes, de não enxergá-los, não respeitá-los (salvo as exceções que sempre existem). Uma nação que legitima a cultura dos planos de saúde, que fazem a festa da exploração do bolso na classe média e que nem sempre oferecem qualidade. Uma nação que esconde a boca sem dentes, com as mãos, para pedir informação. Uma nação em que a regra é chegar de madrugada nos hospitais, ficar na fila para ter atendimento e não ter sequer o que comer. Uma nação, cuja exceção é ter saúde. Uma nação doente. Uma nação doente que requer cuidados, tratamento, respeito, sessões de quimioterapia intensivas, macas limpas e bom atendimento desde a recepção até consultórios. Uma nação doente, por favor, não deixem ficar, nem mesmo no período de uma hora em frente aos nossos hospitais públicos, pois podem fazê-la engolir qualquer remédio paliativo e mandá-la de volta ao lugar de onde veio. Podem até curar os sintomas da doença, mas não a doença - descaso político com saúde pública e os milhões investidos em purpurina - e, ainda por cima, a “pátria minha tão pobrinha” pode entrar numa depressão tão profunda, que nem mesmo a euforia do futebol ou a alienação “bundística” do carnaval vão conseguir dar jeito.

"Minha mãe é hetero e eu a aceito" - Parte 2


Tenho uma colega que, já percebi, não gosta de comentar alguns do meus posts na própria página do blog, mas que prefere comentá-los via msn. Uma coisa mais discreta, eu diria...embora o desejo de quem tem um blog (imagino) é ver sua página cheia de comentários...mas, vamos lá. Ela leu meu último post e lançou uma questão muito interessante que, embora eu não tenha uma opinião fechada a respeito, gostaria de lançá-la aqui. Ela disse mais ou menos assim: acho que o movimento LGBTT (yz, hehheh) tem se afirmado assim, pela negação da heterossexualidade. Ou seja, a heterossexualidade continua sendo o centro e o que não é “hetero” continua referenciando-se no que é, ou seja, acaba que reafirma o “heterocentrismo”. Ela falou inclusive da sigla que, embora tenha quase todas as letras do alfabeto (observação minha), não aglutina quem é hetero. Achei interessante seu comentário, nunca havia pensado isso. Na mesma hora lhe respondi, no impulso da conversa, que não acho que seja sempre assim. Acho que gays, lésbicas, transexuais, transgêneros e quem quiser, têm mais se assumido pelo que são (pelo menos muitos/as que conheço), do que propriamente pela negação, mas sim, claro, há quem se afirme pela negação (e estava implícito na minha fala que isso era problema). De lá pra cá, pensei mais sobre o assunto e me dei conta de uma coisa: qual seria o problema de homossexuais e outras categorias se afirmarem pela negação da heterossexualidade? De repente, não vi implicação política, filosófica, existencial, nenhuma para além daquelas que já estão postas na mesa (será que estou sendo simplista?). Por quê? Porque é isso, de fato. São homossexuais, são bi, são outras formas de vivenciar a sexualidade, não são heterossexuais. A implicação da afirmação da identidade pela negação dessa heterossexualidade compulsória está na base, mas nem de longe se torna um problema como vem sendo para afirmação do ser Mulher, da identidade desse sujeito do feminismo. O Outro, em relação aos/às homossexuais, é aquele/a que ama, sente desejo, e prazer com pessoas do sexo oposto. E o Outro em relação aos/às heterossexuais é aquele/a que ama, sente desejo e prazer com pessoas do mesmo sexo. São diferentes, e não há nenhuma implicação essencialista (ou, pelo menos, não consegui enxergar) nessa coisa. Não sei... para mim a questão deixou de ser problema. Não sei se é porque essa relação do UM e do OUTRO no tocante às mulheres e homens me deixa com nós cegos na cabeça, o que é bem provável, mas, penso eu, que embora a heterossexualidade ainda seja a “referência”, as “outras” categorias têm se afirmado por si mesmas, mesmo que (e é importante) para isso neguem o que não são. Não consigo pensar em nossas relações (qualquer uma) que não sejam assim – relacionais, processuais - uma afirmação pressupondo uma negação e vice-versa, não é mesmo?. Bem, me desculpem se falei besteira. Arco com os ônus de pensar em “voz alta”, aceito críticas...podem ser por msn, e-mail..qualquer coisa...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

“Minha mãe é hetero e eu a aceito”


“Minha mãe é hetero e eu a aceito” - Quantas idéias podem expressar essa frase retirada de um cartaz de uma militante do movimento de lésbicas, fotografada (por Ferreira e Bonan, 2005) com sua tez irreverente, ironicamente sabida de sua provocação?!
Provocação? Poderia ela mesma indagar, ainda ironicamente, acrescentando que não poderia tal frase “provocar”, uma vez que prega a tolerância ao que lhe é diferente.
Quem segura o cartaz? Uma mulher e lésbica. Essas, por si sós, já seriam características suficientes para justificar o que seria tal provocação (num mundo cujo valor moral hegemônico é o da heterossexualidade), contudo, ainda por cima, há o conteúdo do cartaz, este que fala ao plano público, da condição necessária e da possibilidade de existir tolerância ao que se considera diferente, partindo das ações individuais e, inclusive, do plano privado, quando cita a “mãe” (que por assim dizer, seria uma outra grande provocação), e devolve, tal qual um espelho, a possibilidade de qualquer pessoa ou instituição, dizer o mesmo, sem antes cair em contradição.
A figura materna em nossa sociedade é sinônimo de santidade referendada num imaginário de caráter patriarcal, cuja mãe de referência é Maria, mulher dessexualizada, que concebeu seu filho pela intervenção do espírito santo.
As ironias tanto do sujeito que fala, quanto do que é falado, estão em que a provocação se apresenta no “desmantelamento” dos valores que a curta frase apresenta, primeiro, por convidar a repensar quais são os parâmetros que utilizamos para definir o “diferente” e, segundo, por questionar qual a nossa capacidade de tolerância, de relativização de nossos julgamentos e da responsabilidade que atribuímos (ou não) aos mesmos.
Também questiona se estamos realmente preparados a abrir mão, desconstruir ou ao menos repensar, nossas “bengalas”, histórica, social e culturalmente instituídas e aceitas como verdadeiras (em sua maioria), bem como por ainda fazer refletir a quem atribuímos o poder de expressar idéias, a quem atribuímos dignidade, a quem legitimamos a autonomia e, por assim dizer, a cidadania, condição inalienável do sujeito político.
Por que resgatei essa passagem de um dos meus trabalhos acadêmicos? Porque “vivemos num mundo onde precisamos nos esconder para amar...enquanto a violência é praticada em plena luz do dia”, já dizia John Lennon. Há poucos meses, um rapaz diferente – estrangeiro, estrábico, de vestes surradas, “devorador” de livros, – tirou sua roupa, ficou nu em pêlo, e se jogou das alturas do CFCH. Manchete do jornal no outro dia: “estudante homossexual se suicida”!
Nas comunidades do orkut, várias mensagens de pessoas de sua convivência na adolescência dizendo o quanto o rapaz sofria discriminação por ser diferente, por não ter roupa nova para formatura, por ter suas passagens de transporte contadas, enfim, suas privações expostas e nenhuma delas estampadas na manchete. Meu companheiro o conhecia e nunca soube, em suas longas conversas, que o rapaz era homossexual, e se soubesse jamais veria problema nisso. A questão para nós, desde o início foi: por que a manchete anunciou seu suicídio a partir da sua pretensa orientação sexual? A resposta é: porque tudo se torna mais fácil.
As pessoas querem notícia curta e pouco trabalho para pensar. Cansei-me de ver, nas minhas idas e vindas com as notícias de homicídios de mulheres manchetes e reportagens do tipo: “mulheres envolvidas no tráfico assassinadas”, “mulher com tatuagens no corpo estuprada e morta”, “mulher homossexual assassinada pelo vizinho”. Fica mais fácil para quem lê, fica mais fácil para a infinidade de jornalistas imbecis que nós temos (claro que há exceções), mais fácil para os órgãos de Defesa Social, mais fácil para quem comete o crime. Reafirmar estereótipos é sempre mais fácil. Difícil é mudar o mundo, mudar idéias, mudar formas preconceituosas de pensar, mudar...transformar.
Por isso trouxe o cartaz: “minha mãe é hetero e eu aceito”. Ele é, para mim, a pura representação dessa tentativa de dizer ao mundo que outras formas de enxergar e estar nele são possíveis, inclusive, perceber as violências que estão no nosso entorno e questioná-las ao ponto de não vê-las mais como banais.


Se quiserem saber e ver mais imagens do livro mulheres e movimentos acessem: http://www.mulheresemovimentos.com.br/

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

"Carnaval, carnaval, carnaval...eu fico triste quando chega o carnaval..."

Gostaria de tecer alguns comentários, mas estou chateada...pensei em algo que pudesse transmitir o que estou sentindo e lembrei do texto do meu amigo nêgo...aí vai...
Orgulho pernambucano
Fácil ver nas ruas camisas com a bandeira de Pernambuco. Orgulho. Por todos os lados hinos e estampas que nos remetem à história. Palavras com sotaque ríspido: sempre prontas para combater o preconceito do Sul. Estamos cientes de nosso espaço e do poder de nossa cultura. Diante da certeza inequívoca de nossas virtudes seríamos, portanto, um exemplo de sociedade justa e que valoriza intermitentemente a sua história? Não.
Pernambuco é incapaz de preservar seu arquivo público: as traças reinam na terra dos leões. Os pernambucanos guardam, por vezes com um sarcástico orgulho, índices de violência e desigualdade alarmantes. A economia do referido Estado permanece praticamente estagnada durante décadas (no que se refere à participação do Estado no PIB nacional). Prefere-se, por aqui, a faca ao diálogo. Mata-se compulsivamente e, preferencialmente, os que não podem se defender. Resta saber: qual o motivo do nosso orgulho?
A cultura. A força das palavras proféticas e conservadoras de Ariano Suassuna que nos incita o orgulho ao dizer, entre outras coisas, que a música pernambucana - sobretudo popular - é infinitamente superior à música norte-americana. O frevo e seus múltiplos passos, domesticados por Nóbrega para exportação. A produção de esculturas de barro como única fonte de renda de cidades como Tracuanhém. O português gostoso e popular, errado, do ponto de vista da norma culta, fruto da falta de escolarização. Resta-nos a pátina sobre os nossos velhos problemas que reveste de cultura a miséria e desigualdade do Estado de Pernambuco.
Não, não devemos mudar a paisagem bucólica e árida do Sertão sob pena de descaracterizar nossas raízes. Os maracatus e a realidade invariavelmente pobre da Zona da Mata - não menos pobre com a bolsa fornecida para os mestres daquele ritmo - devem ser mantidos sem qualquer divórcio. Bom mesmo são as ruas sem asfalto, com árvores tombadas no Centro, nostálgicas (lembremos de algumas ruas em Casa Forte). Melhor é preservar intacta as feiras populares e sua falta de organização que as torna cult.
Diante de nossa miséria, o refrão da cultura que orgulha e silencia nossos problemas por ostentar-nos como diferentes, embora sejamos iguais à parte substancial do Brasil, portanto, miseráveis. Natural perguntar se o orgulho de nosso Estado não é a origem de nossa miséria, senão o entorpecente que nos dificulta a mudança. Em Pernambuco a tradição vence sempre a modernidade e nos condena ao passado, incorruptível porque intangível.
Érico Andrade
Publicado em 03.01.2008 - JC