quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Gotinha


Deixo para vocês este belo texto de Jefferson Tadeu (roubei do blog dele). Abraço, Sheila.
Gotinha
Quando eu olhava para uma pessoa idosa, com os seus cabelos já brancos, nunca imaginava que houvesse muitos conflitos perpassando a sua alma. Talvez porque a cor de neve da sua cabeça me fizesse, inconscientemente, relacioná-la à serenidade, à paz de espírito. Quanta ingenuidade!Há alguns meses estive em João Pessoa (a cidade onde desejo morar) por ocasião de um congresso de filosofia. Durante dois dias, hospedei-me na casa da madrinha de um grande amigo. Na manhã em que deveria ir embora, após o café, levantei-me da mesa e fui à cozinha, lavar, como de costume, os pratos e talheres de que me utilizei enquanto comia. Naquela instante, apresentou-se na cozinha, para entabular conversa comigo, a senhora, tia da madrinha do meu amigo. Ela tinha mais de 90 anos de idade.A primeira coisa que a senhora me disse foi: “Onde tem mulher, homem não trabalha na cozinha. Deixe esses pratos, meu filho”. Ao que, sorrindo, respondi-lhe: “Não se preocupe. É rapidinho e não me custa nada!”. Ela me retribuiu o sorriso e me ofertou também um segredo, ou melhor, uma queixa que, certamente, havia muito estava latente: “O filho da minha sobrinha nunca tira um prato da mesa”.O que mais me impressionou na fala da senhora foi a sua expressão facial. Seu olhar inicial, ao se aproximar de mim, era de pura gentileza e cortesia, embora também fosse de resignação. Após o nosso breve diálogo, no entanto, modificara-se: eu me entristeci ao perceber dois olhos ainda mais resignados com a ordem do mundo, a despeito, é verdade, de haver uma gota de indignação no seu olhar, mas uma indignação que parecia se envergonhar por existir. Uma gota de indignação, todavia, foi suficiente para que eu percebesse que a cabecinha branca daquela senhora era um verdadeiro campo de batalha. Afinal, não pode haver paz para as(os) vencidas(os).Ao refletir sobre a cena, veio-me ao meu espírito uma gota de esperança, pois para que uma tempestade aconteça sempre há de cair uma primeira gota. E, para quem quer agir, não importa o tempo já percorrido ou que ainda terá de trilhar, porque o que está à mão é sempre o presente, que nada é senão uma gotinha.

Um comentário:

Nata disse...

Que texto maravilhoso!

Cheiro, Sheiloca!